Escolhi esse quase-refrão de canção para mote deste editorial comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, porque, havendo muito a dizer sobre meio século de processo democrático, nascido de um processo revolucionário agitado, mas frutuoso, seria impossível fazer caber num texto tão curto todas as realizações que comemoramos.

Todas as conquistas por concretizar. E todas as veredas ainda por abrir. Assim, escolhi um só tema: as mulheres na sociedade portuguesa. O caminho que Abril abriu às mulheres – e aos homens que não podem sentir-se realizados enquanto houver discriminação e desigualdade entre homens e mulheres – é, certamente, uma das transformações mais profundas e mais significativas operadas na sociedade portuguesa, por nossas mãos, aproveitando as possibilidades abertas por esse “dia inicial inteiro e limpo”.Antes do 25 de Abril de 1974, não era apenas a condição socioeconómica que pesava comparativamente mais sobre a vida das mulheres: a lei, ela mesma, impunha uma claríssima menorização das mulheres e a sua subordinação aos homens. Aos homens como grupo social, e também subordinação das mulheres aos “seus” homens. Por exemplo, as mulheres não podiam votar em pé de igualdade. Não podiam sair do país sem autorização do marido. Não podiam ser magistradas nem diplomatas. Nem tão pouco enfermeiras se fossem casadas. As mulheres estavam submetidas aos homens no espaço privado e no espaço público, secundarizadas no quadro de um princípio de desigualdade legalmente consagrado e sempre destinado a acantonar as mulheres em papéis que outros lhes destinavam. A ditadura era, também, um regime machista, embora se encontrassem homens e mulheres de todos os lados de todas as barricadas.Essa situação legal abominável estava enraizada nos fundamentos ideológicos do Estado Novo. A Constituição de 1933 declarava a igualdade dos cidadãos perante a lei, mas excecionava as mulheres desse princípio geral, considerando a “sua natureza” e o “bem da família”, ao abrigo de uma ideologia que reservava as mulheres para a “missão da maternidade”, para o “lar” e para o “governo doméstico”, mas sempre em posição de submissão ao homem. Convém não estarmos desatentos do regresso da matriz fundadora deste discurso e deste tipo de legislação, que testemunhamos nos nossos dias.Com o 25 de Abril, pelas primeiras brechas do regime antigo rapidamente começaram a passar pequenas libertações relevantes para metade da população. Logo nos primeiros meses da revolução, três diplomas acabam com a proibição de as mulheres acederem à magistratura (junho de 1974), à carreira diplomática (julho de 1974) e a todos os cargos da carreira administrativa local (setembro de 1974). Nos anos seguintes, as restrições no acesso ao emprego continuarão a ser removidas. Em 1978, cada um dos cônjuges passa a poder exercer qualquer profissão sem estar dependente de consentimento do outro (o que só é novidade para as mulheres) e a mulher passou a poder ser comerciante sem ter de obter autorização do marido.Ainda em 1974, foram abolidas as atenuantes especiais para o crime de homicídio cometido pelo marido contra a esposa adúltera (que não eram simétricas da consideração dada ao marido adúltero).Também ainda em 1974, e quanto aos direitos políticos, é um diploma legal do mês de novembro que estabelece com carácter universal o direito das mulheres ao voto livre. Entre as primeiras eleições e os anos mais recentes, aumentou significativamente a percentagem de mulheres eleitas para o Parlamento: 20 em 250 na Assembleia Constituinte (1975), 76 em 230 no arranque da XVI legislatura, resultante das eleições de 10 de março de 2024 (mesmo assim, uma percentagem inferior à das duas legislaturas anteriores).Em maio de 1975, um decreto-lei alterou diversos artigos do Código Civil relativos ao divórcio, passando o casamento católico a obedecer, na ordem jurídica da República, apenas à lei do Estado, permitindo a sua dissolução nas mesmas condições que o casamento civil.Em 1976 (junho), o marido deixou legalmente de poder abrir a correspondência da mulher.Contudo, a grande realização de 1976 é a Constituição democrática, que foi aprovada e entrou em vigor nesse Abril, arrastando enormes consequências, não apenas pelo seu próprio texto, mas, ainda, por implicar a revisão dos vários códigos jurídicos portugueses (nomeadamente, o Código Civil) no sentido progressista que era o constitucional (no caso dos direitos, liberdades e garantias impondo um prazo para o efeito). Embora elaborada e aprovada no meio de tensão política generalizada, teve apenas o voto contra do partido (então) mais à direita do Parlamento, o CDS – embora o PPD tenha cogitado também votar contra.A Constituição de 1976, ao definir como um dos princípios constitucionais

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