Sua Excelência Exmo.

Senhor Primeiro-Ministro, Dr. António Costa,

No passado dia 2 de março e na sequência da decisão da Autoridade Nacional da Aviação Civil em indeferir o pedido de apreciação prévia de viabilidade da construção do Aeroporto Complementar no Montijo, foi anunciado publicamente em comunicado emitido pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação, que o Governo de V. Exa. irá avançar para a realização de um processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), no quadro da expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa. Esta AAE irá avaliar três opções, sendo que duas delas implicam uma nova infraestrutura aeroportuária na Base Aérea Nᵒ 6 (Aeroporto do Montijo) e na terceira opção essa nova infraestrutura seria localizada no Campo de Tiro de Alcochete.

Se o interesse desta infraestrutura é reconhecidamente nacional e estratégico, como indicado no referido comunicado, então o procedimento de AAE não se deve limitar a apenas duas localizações. Deverá sim ter uma definição de âmbito abrangente, assente numa fundamentação rigorosa, com critérios bem definidos e que resulte dum consenso alargado, onde não apenas algumas entidades mas também especialistas e o público interessado possam participar, cumprindo assim o objetivo de alterar mentalidades e criar uma cultura estratégica nacional no processo de decisão. Da mesma forma que a ciência tem servido o atual desafio de saúde pública, solicitamos a V. Exa. que considere os pareceres dos profissionais nas várias áreas relevantes, encontrando consensos alargados em prol da sustentabilidade ambiental no contexto atual.

Como especialistas nas áreas da ecologia, biodiversidade, ambiente e transportes, preocupados com a alarmante degradação dos sistemas naturais dos quais a nossa sociedade depende, solicitamos a V. Exa. que se digne a utilizar o procedimento de AAE (Decreto-Lei nᵒ 232/2007) por forma a que:

“… a decisão acerca das características de um determinado projeto (entenda-se a localização de uma nova infraestrutura aeroportuária) não se encontre já previamente condicionada por planos ou programas nos quais o projeto se enquadra…”;

seja, verdadeiramente, “um processo integrado no procedimento de tomada de decisão, que se destina a incorporar uma série de valores ambientais nessa mesma decisão.”;

seja previamente definido “… o âmbito da avaliação (estratégica) ambiental a realizar…”;

sejam solicitados pareceres “às entidades às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano ou programa”, de acordo com o Artigo 5º do referido Decreto.

Entendemos que limitar o procedimento de AAE a duas localizações (com 3 opções) sem fundamentação nem consenso, não permite que este seja efetivamente “um instrumento de natureza estratégica que ajuda a criar um contexto de desenvolvimento para a sustentabilidade, integrando as questões ambientais e de sustentabilidade na decisão e avaliando opções estratégicas de desenvolvimento face às condições de contexto.”. E falhará também assim os três objetivos concretos, tal como descritos no Guia de Melhores Práticas para AAE:

Encorajar a integração ambiental e de sustentabilidade

(incluindo os aspetos biofísicos, sociais, institucionais e económicos), estabelecendo as condições para acomodar futuras propostas de desenvolvimento;

A

crescentar valor ao processo de decisão

, discutindo as oportunidades e os riscos das opções de desenvolvimento e

transformando problemas em oportunidades

e criar uma cultura estratégica no processo de decisão,

promovendo a cooperação e o diálogo institucionais e evitando conflitos

Convém ainda assinalar vários aspetos que devem ser considerados de forma estratégica:

a situação atual influenciada pela pandemia, que pode (e deve) permitir que se transformem problemas em oportunidades, nomeadamente ao repensar o papel do transporte de passageiros (nomeadamente a ferrovia) e dos modelos de mercados, sabendo que se projetam já mudanças significativas na mobilidade de longo curso no “pós-Covid”;

a resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018 que aprovou a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 com vista a melhorar o estado de conservação do património natural; promover o reconhecimento do valor do património natural; e fomentar a apropriação dos valores naturais e da biodiversidade pela sociedade;

a resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019 que aprovou o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 com o objetivo firme de utilizar os recursos de forma eficiente, valorizando o território;

as metas estabelecidas no Pacto Ecológico Europeu a 11 de dezembro de 2019, que propõem a defesa da biodiversidade e o alargamento das áreas protegidas, como aspetos fundamentais para a salvaguarda da biodiversidade.

Importa ainda realçar que a opção para a qual existe uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) já emitida, o Aeroporto do Montijo, a qual nunca reuniu um consenso alargado dos especialistas, assenta num Estudo de Impacte Ambiental com falhas graves especificamente no que diz respeito:

à avaliação do risco de inundação extrema (pela subida no nível médio do mar, como consequência das alterações climáticas e pela inundação por Tsunami) e perigosidade sísmica;

à quantificação das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), tanto por não considerar as emissões associadas aos voos, o sequestro de carbono pelos habitats que serão destruídos, e por não recorrer à última versão facultada pela Agência Europeia do Ambiente para estas estimativas;

Apesar desta DIA ser alvo de um processo que decorre atualmente em tribunal, esta localização é indicada como duas opções a incluir na AAE, sem qualquer fundamentação ou argumentação. Reforçamos que AAE deverá integrar os pontos críticos acima elencados, procurando um consenso científico alargado, de forma a evitar falhas grosseiras com resultados nefastos, como o processo do EIA do Aeroporto do Montijo veio demonstrar.

Lamentamos o tempo e o custo financeiro que o Estado Português já despendeu com o objetivo de expandir a capacidade aeroportuária, mas esse argumento não pode justificar que os desafios sociais, com que atualmente nos debatemos, e o conhecimento científico obtido até à data sejam ignorados, sob risco de não se realizar uma verdadeira AAE, procurando apenas cumprir requisitos formais, e indo ao arrepio dos compromissos europeus a que Portugal tão bem anuiu.

Apenas uma decisão bem informada poderá conduzir à solução que o desenvolvimento estratégico do País, nas suas várias dimensões, económica, social e ambiental, exige.

José Augusto Alves, Inv. Auxiliar, DBIO/CESAM, U. Aveiro, Ecólogo

Maria Amélia Martins-Loução, Prof. Catedrática, FCUL, U. Lisboa, Ecóloga

Francisco Ferreira, Prof. Associado, FCT, U. Nova Lisboa, Eng. Ambiente

Carlos Antunes, Prof. Auxiliar, FCUL, U. Lisboa, Eng. Geógrafo

Teresa Pinto Correia, Prof. Catedrática, MED, U. Évora, Geógrafa

Pedro Matos Soares, Inv. Principal, IDL, U. Lisboa, Físico da Atmosfera

Luísa Schmidt, Inv. Coordenadora, ICS, U. Lisboa, Socióloga

Jorge Palmeirim, Prof. Associado, FCUL, U. Lisboa, Ecólogo

Miguel Bastos Araújo, Prof. Catedrático, MED, U. Évora, Geógrafo

Luis Manuel Matias, Prof. Associado, FCUL, U. Lisboa, Geofísico

Helena Freitas, Prof. Catedrática, DCV, U. Coimbra, Ecóloga

Carla Amado Gomes, Prof. Auxiliar, Fac Direito, U. Lisboa, Jurista

Margarida Santos-Reis, Prof. Catedrática, FCUL, U. Lisboa, Ecóloga

Rui Lage Ferreira, Prof. Associado, IST, U. Lisboa, Eng. Civil

Maria Peixe Dias, Inv., MARE/ISPA e BirdLife Int., Ecóloga

Filipe Agostinho Lisboa, Inv. Auxiliar, FCUL, U. Lisboa, Físico

Maria do Rosário Oliveira, Inv. Auxiliar, ICS, U. Lisboa, Arquiteta paisagista

Jorge Paiva, Inv. Coordenador, DCV, U. Coimbra, Biólogo

João Joanaz de Melo, Prof. Associado, FTC, U. Nova Lisboa, Eng. Ambiente

Amadeu Soares, Prof. Catedrático, CESAM, U. Aveiro, Ecólogo

João Ferrão, Inv. Coordenador, ICS, U. Lisboa, Geógrafo

Ester Serrão, Prof. Catedrática, CCMAR, U. Algarve, Bióloga

José Pedro Granadeiro, Prof. Auxiliar, FCUL, U. Lisboa, Ecólogo

Hugo Rebelo, Inv. Auxiliar, CIBIO, U. Porto, Ecólogo

Rui Santos, Prof. Associado, CCMAR, U. Algarve, Ecólogo

Cristina Máguas, Prof. Associada, FCUL, U. Lisboa, Ecóloga

Rúben Heleno, Prof. Auxiliar, DCV, U. Coimbra, Ecólogo

Pedro Gomes, Prof. Auxiliar, CBMA, U. Minho, Ecólogo

Pedro Anastácio, Prof. Auxiliar, MARE, U. Évora, Ecólogo

Cristina Branquinho, Prof. Associada FCUL, U. Lisboa, Ecóloga

Catarina Eira, Inv. Auxiliar, DBIO/CESAM, U. Aveiro, Bióloga

Alice Nunes, Inv. Auxiliar, cE3c, U. Lisboa, Ecóloga

Susana Loureiro, Prof. Auxiliar, DBIO/CESAM, U. Aveiro, Bióloga

Pedro Rudolfo Martins Nunes, Inv. Auxiliar, IDL, U. Lisboa, Eng. Ambiente

Afonso Duarte Rocha, Inv. Auxiliar, CESAM, U. Aveiro, Ecólogo

Ricardo Rocha, Inv. Auxiliar, CIBIO-InBIO/ARDITI, U. Porto/U. Lisboa, Ecólogo

Susana Gonçalves, Inv. Auxiliar, CFE, U. Coimbra, Ecóloga

Teresa Catry, Inv. Auxiliar, CESAM/FCUL, U. Lisboa, Ecóloga

Helena Serrano, Inv. Auxiliar, cE3c, U. Lisboa, Ecóloga

Pedro Lourenço, Prof. Auxiliar, Hanze University, Biólogo

Carlos M.G. L. Teixeira, Inv. Pós-doutoral, IST, U. Lisboa, Biólogo

Jaime A. Ramos, Prof. Associado, MARE, U. Coimbra, Ecólogo

Carlos David Santos, Inv. Auxiliar, CESAM/FCUL, U. Lisboa, Ecólogo

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