A prioridade deve ser dada ao fundamental: que sejam criadas condições laborais dignas para todos os trabalhadores agrícolas e imigrantes, não apenas em Odemira, mas em todo o país.

O LIVRE lamenta a proporção que este assunto tomou e a falta de empatia e de respeito demonstrados face aos trabalhadores agrícolas e às suas famílias.

Por razões humanitárias e por razões sanitárias, é importante que a solução imediata encontrada para o alojamento seja estável e que, a curto prazo, sejam definidas medidas para resolver o drama social provocado pela agricultura intensiva com alta necessidade de mão-de-obra.

Este é um caso complexo, estando em causa, para além da questão prioritária de saúde pública, também as condições de habitação, laborais e de acolhimento e a legalização de imigrantes. Estes  são problemas  documentados, mas que foram agora colocados sob os holofotes pela  pandemia, lembrando a todos os atores políticos a urgência de os solucionar.

Sobre a habitação, era  conhecida a sobrelotação dos alojamentos destes trabalhadores,

gerando condições de insalubridade dos espaços e de falta de privacidade. Segundo estimativas do autarca de Odemira,  dos 13 mil trabalhadores agrícolas do Concelho, cerca de seis mil não têm condições de habitabilidade.

Esta é uma situação à qual as entidades competentes não têm conseguido dar resposta e, por conseguinte, tem-se agravado a cada ano com o aumento da imigração. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o número de imigrantes a viver legalmente em Odemira aumentou de cerca de oito mil (em 2019) para mais de 9600 (em 2020).

O problema não está na imigração em si, mas na falta de respostas sociais e políticas que garantam um acolhimento e uma vida digna. Às difíceis condições de vida,  acrescentam-se  as condições de trabalho precárias e a exploração laboral e humana a que estão sujeitos. Desde 2020, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) fiscalizou 108 empresas agrícolas em Odemira e detetou 123 infrações.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) do SEF revela ainda a existência de casos de tráfico de seres humanos e crimes conexos ligados à questão dos migrantes em Portugal. Por isso, o SEF tem a decorrer 32 inquéritos pelos crimes de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra ilegal. Esta investigação abrange  diversas comarcas do Alentejo e seis dos inquéritos são relativos ao concelho de Odemira. O Ministério Público de Odemira tem também  em curso 11 inquéritos, em fase de investigação, sobre auxílio à imigração ilegal para efeitos de exploração laboral.

Os recursos naturais do concelho de Odemira têm também vindo a ser explorados  de forma insustentável. Ambas as explorações, humana e ambiental, são causadas por uma visão capitalista de mercado, focada na exportação e não na produção de proximidade, o que contraria a desejável alimentação eco-sustentável. Embora a humanidade dependa da agricultura, temos de minimizar o seu impacto, através da escolha sustentável das colheitas, da adoção de técnicas e práticas agrícolas menos invasivas e consumidoras da menor quantidade de recursos possível e integradas em cadeias logísticas de curta distância.

O que se verifica em Odemira, e que não é diferente do que se passa noutras partes do país, é a exploração de um tipo de agricultura intensiva, que utiliza uma grande área de estufas e com um elevado consumo de água. A agricultura assim praticada tem efeitos negativos diretos na biodiversidade e nos ecossistemas.

As soluções apresentadas pelo LIVRE

O que esta situação veio a demonstrar, em primeiro lugar, é a necessidade de melhorar as condições habitacionais no Concelho de Odemira. É inadmissível do ponto de vista social e sanitário a presente sobrelotação de casas em território nacional. Assim, sugerimos o planeamento pela autarquia de soluções apropriadas para acolher no concelho os trabalhadores agrícolas, em muitos casos sazonais, em condições sanitárias e de habitação condignas, podendo fazer parte da solução a elaboração de um programa de habitação com preços controlados.

É também necessário aumentar a fiscalização para garantir que os direitos dos  imigrantes sejam respeitados e que os empregadores cumpram os seus deveres. Para tal, o LIVRE defende a contratação de mais funcionários – incluindo tradutores fluentes nas principais línguas faladas pela comunidade migrante –  para a ACT e para o SEF. Neste último caso, não só seriam destacados para o serviço de fiscalização, como seriam úteis para agilizar o processo de legalização de imigrantes. A fiscalização deve ser especialmente agressiva em relação a empresas nacionais e internacionais intermediárias que utilizam subterfúgios legais para dar entrada dos imigrantes em território nacional. A legislação deve ser reforçada para impedir aquilo que é, na realidade, uma prática de tráfico humano com a aparência de legalidade. A maioria destes imigrantes são extorquidos em quantias exorbitantes pelo direito de residir e trabalhar em Portugal e postos nas mãos de empregadores que não só os exploram a troco de salários muito baixos, como lhes omitem ou recusam grande parte dos seus direitos.

O LIVRE defende também que o governo português deveria celebrar acordos bilaterais com os países de onde são originários os trabalhadores que chegam a território nacional para se dedicarem à produção agrícola, de modo a esvaziar o poder de redes de tráfico humano, e de modo a regularizar a situação profissional dos trabalhadores.

Quanto aos impactes ambientais, o LIVRE tem defendido a prática de agricultura sustentável que promova um uso racional dos recursos hídricos, que promova a biodiversidade e que não se centre em monoculturas intensivas, sendo o menos invasiva possível para o meio ambiente circundante.

Por fim, o LIVRE lembra que esta situação não acontece  apenas no concelho de Odemira, mas afeta várias regiões do país que estejam dependentes da imigração como fonte de mão-de-obra para a agricultura.  É  importante garantir que os imigrantes sejam integrados na sociedade, tenham acesso à habitação, contratos de trabalho legais e condições de vida dignas. O LIVRE não se cansará de recordar que todos os seres humanos são iguais em termos de direitos, sejam eles cidadãos portugueses ou imigrantes.

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